Que eu possa ser Sorriso entre olhares cabisbaixos, Canto de pássaro amarelo que alegra a manhã cinza, Dança que diz: sim! Sente a vida dentro e fora, As cores quentes e verdes da feira, Mão que acaricia, Palavra com sabor de jabuticaba.
No medo, na dor, na tristeza... na escuridão, Que eu possa ser flores que aliviam a alma, Nuvem que abraça o verso, Brisa que levanta o ânimo e susurra: alegria!
Que eu possa ser amor de céu em pequenos gestos, Risada presente que contagia, Júbilo infinito que alumia.
Nas festas, depois dos jogos do Brasil (na Copa do Mundo) eis que ressurge a minha adolescente, que há tempos andava adormecida. Porque essa minha adolescente era pura emoção e alegria nas festas. E ela lembrou-se de Copas do Mundo e festividades passadas e despertou. Algumas pessoas próximas reclamavam e diziam que aquele mesmo lugar já havia sido melhor, porque quando eu era mais "nova" isso, aquilo e aquilo outro...
Mas a minha adolescente nem deu ouvidos: E cantou para a lua cheia que iluminava seus cabelos; dançou o samba que se formou no meio da rua, cheio de tumulto, instrumentos e sons inesperados (o trompete foi para ela a sensação da noite); sentiu a alegria de tanta gente e sorriu branco como a lua; sentiu a criatividade daquelas pessoas cheias de melodia na alma e dança colorida no pé; regojizou-se nos pulos e cantar dos outros; percebeu as blusas amarelas perdidas nos verdes e abraçou aqueles que abraçavam o momento.
Essa adolescente, cheia de intensidade, livre, espontânea, vive os momentos de festa com leveza e êxtase, sem o pesar do tempo...
Ela sabe que os ventos permanecem na Terra enquanto a gente se esvai num respiro incerto.
Não e não! Ela não iria deixar de viver os seus sonhos para "se adequar" a sociedade. Preferia a autenticidade dos artistas, a originalidade das crianças e a fé dos santos mesmo quando a chamavam de louca.
Preferia andar pelas frestas e sombras buscando o avesso ao invés de seguir o "caminho comum" feito ovelha. Sabia que seria difícil para a família, pois seria vista como excêntrica. Mas não tinha jeito, nada dessas promessas do mundo externo a seduziam mais. Aprendera a viver no momento e por isso sentia-se fora do mundo.
Tinha encontrado o sorriso real (aquele que independe de circunstâncias externas) e por isso acolhia o tear da vida e cantarolava, espalhando sua fragância alegre independente do tempo, dos humores alheios e dos tons do dia.
Ela queria dizer-lhe da intensidade de seus sentimentos. Mas havia aprendido a conter as suas pulsões. Ensinaram-na, quando pequena, que sentir era arriscado. Pois bem! Tentava esconder-se de si mesma.
Uma noite, sentada ao seu lado ferveu por dentro - feito panela de pressão - e não podendo mais conter a ressaca, tascou-lhe um beijo perto dos lábios.
E enrubesceu.
Ele, surpreso, convidou-a para dançar. Dançaram sem por quês, sem amanhãs.
Entregaram-se aos entrelaces das pernas, aos gestos suaves dos braços, aos movimentos redondos e firmes... e aos desejos contidos que se expressavam na dança.
Ele sentia o contato com o corpo dela e percebia a sua nuca nos segundos em que os cabelos esvoaçavam.
Ela sentia o seu cheiro, o seu rosto e não conseguia conter o tremor que lhe percorria o corpo.
Uma pausa na música a fez subir uma das pernas até os quadris dele e ele furtivamente beijou-a, sem dar espaço ao pensar.
Perderam-se na intensidade do momento.
E assim, sem pensar, deixaram-se levar pela música, pelo fluir da dança e pelo sentir que emanava feito arco-íris de mil pétalas.
Julia queria dizer-lhe o quanto era vidro de cristal. Não chegue tão perto! Posso quebrar... Ou seria ela areia que escorre entre os dedos?
Queria perder-se no céu de seus olhos, mas receava deixar as margaridas. As margaridas traziam-lhe o alívio do branco. E no entanto, não era o branco todas as cores?